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Quando a Crítica é Implacável: Entendendo o Auto-criticismo

O autocriticismo é um tema que permeia a vida de muitos de nós, mesmo que nem sempre estejamos conscientes disso. Se você é alguém que constantemente se cobra por padrões elevados, se vê aprisionado por autoacusações paralisantes, ou simplesmente está buscando entender melhor essa voz interior que muitas vezes lhe julga, esse material pode lhe dar um pouco de clareza sobre essa questão.

 Vamos tentar entender um pouco sobre o que é autocriticismo. Se você não sabe nada sobre o assunto, mas tenta analisar apenas a palavra, existem algumas coisas que parecem claras nesse conceito: 1. existe uma crítica e ela deve vir de algum lugar; e 2. existe alguém a quem essa crítica é direcionada. Então, é como se existissem duas partes dentro de nós: uma que critica, impõe, demanda; outra que sente o impacto disso tudo.

Sei que pode parecer estranho pensar em nós mesmos como divididos em diferentes partes. Mas na verdade, existe muita teoria Psicológica a esse respeito (teoria da mentalidade social, teoria do self dialógico) e, claro, a arte também busca ilustrar esse fenômeno. Walt Whitman escreveu: “Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo. Sou amplo, contenho multidões”.  O poeta Fernando Pessoa também escreveu sobre o quão desconhecida de nós muitas vezes é essa natureza multifacetada: “Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia”.

Usualmente, quando falamos em autocriticismo, podemos pensar em um lado ou parte do self que representa uma forma de pensar guiadas por padrões sociais, culturais e familiares. Essa parte busca, em geral de forma agressiva e dominante, impor essas regras e exercer punição. Quem sofre com essas demandas e punições é um lado ou parte do self que sente, que possui emoções biologicamente adaptativas e necessidades associadas a elas e, geralmente, em uma dinâmica de autocriticismo, fica em uma posição de maior submissão em relação à outra parte. O primeiro lado, que podemos chamar de crítico interno ou self crítico, muitas vezes sufoca o self  que sente, ou experiencial, impedindo-o de usar suas emoções de forma adaptativa a buscar suas necessidades.

Talvez essa conversa de diferentes partes de si mesmo esteja um pouco complicada, mas o resumo é que, assim como nos relacionamos com as outras pessoas, também nos relacionamos com nós mesmos. Assim como se alguém nos trata mal, isso gera um efeito em nós, não é diferente quando o processo acontece de forma interna. No entanto, o processo interno gera maiores complexidades. Primeiro, você nem sempre percebe que ele está acontecendo. Como agir sobre algo que você nem sequer está conseguindo perceber? Segundo, muitas vezes, mesmo que perceba sua presença, você vai sentir que precisa disso. Você pode pensar que não vai conseguir ser funcional no seu trabalho se não se exigir, ou que não vá ser amado pelos outros se não der muito mais do que recebe. É como se, de certa forma, essa parte que lhe crítica fosse vista como uma espécie de protetor para você.

O autocriticismo é um processo que está relacionado a diversos transtornos mentais, como depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, transtornos alimentares e transtornos de personalidade.  A psicoterapia busca identificar esse processo em suas diferentes facetas e auxiliar os clientes a reconhece-lo, bem como facilitar o processo de busca por novas formas de se relacionar consigo mesmo.  O tratamento de muitos transtornos depressivos e ansiosos passa por alguma forma de trabalho com o autocriticismo. Formas severas de autocriticismo, se não tratadas, podem intensificar sintomas depressivos e pensamentos suicidas.

REFERÊNCIAS

Brott, K. H., & Veilleux, J. C. (2023). Examining state self‐criticism and self‐efficacy as factors underlying hopelessness and suicidal ideation. Suicide and LifeThreatening Behavior.

Gilbert, P. (Ed.). (2005). Compassion: Conceptualisations, research and use in psychotherapy. Routledge.

Greenberg, L. S., Rice, L. N., & Elliott, R. (1993). Facilitating emotional change: The moment-by-moment process. Guilford Press.

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