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Desvendando os Mistérios da Ansiedade

Por quê não sentir ansiedade não é uma boa ideia

A ansiedade é uma emoção inerente ao ser humano, uma resposta adaptativa que nos ajuda a lidar com desafios e situações de risco. Embora essa emoção possa se tornar avassaladora e interferir na vida cotidiana, como ocorre nos transtornos de ansiedade, ela cumpre um papel muito importante ao nos alertar de possíveis ameaças. Nesta postagem, vamos explorar mais a fundo esse complexo mundo emocional e seus diversos transtornos, fornecendo insights valiosos para entender e gerenciar essa condição. Mas vamos começar do começo: por que não sentir ansiedade não é uma boa ideia?

Bases neurais e função adaptativa da ansiedade

A ansiedade desempenha um papel crucial na sobrevivência humana, permitindo a resposta rápida e apropriada a situações potencialmente ameaçadoras. As memórias associadas a essas situações geralmente ocorrem fora da consciência e são chamadas de memórias implícitas. Essas memórias aparecem como sinais no nosso corpo na forma de reações fisiológicas, como um aumento dos batimentos cardíacos, sudorese nas mãos, entre outros, e também na forma de tendências para a ação, como lutar ou fugir. Graças a esses sinais corporais, podemos evitar ou manejar adequadamente perigos reais e potenciais.

O cérebro humano possui um intrincado circuito de resposta a ameaças, onde várias regiões desempenham papéis cruciais na geração e regulação do medo e da ansiedade. A amígdala, uma estrutura em forma de amêndoa no lobo temporal, é central nesse circuito. Ela age como um “alarme” inicial, detectando sinais de perigo e desencadeando reações emocionais imediatas.

O núcleo central da amígdala coordena respostas comportamentais, como por exemplo a reação de congelamento em situações de medo extremo e outras respostas endócrinas de defesa. A amígdala lateral, por sua vez, é responsável pela aprendizagem de respostas condicionadas de medo – aquelas que aprendemos ao associarmos um estímulo neutro a um estímulo aversivo como, por exemplo, pode ocorrer em uma situação traumática como um assalto à mão armada, em que associamos a rua em que fomos assaltados (estímulo neutro) com a ameaça à vida(estímulo aversivo incondicionado). Além disso, também é responsável pelo armazenamento dessas aprendizagens na memória de longo prazo.

A amígdala também influencia o hipocampo, outra área importante e responsável pela formação de memórias. O hipocampo nos ajuda a distinguir em quais contextos devemos nos preparar para uma ameaça e em quais podemos ficar tranquilos. Além disso, o córtex pré-frontal, especialmente a região ventromedial, desempenha um papel crítico na regulação das respostas emocionais. Ele ajuda a modular a intensidade das reações de medo e ansiedade, permitindo avaliações mais racionais das situações ameaçadoras. A interação entre a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal forma uma rede complexa que coordena nossas respostas emocionais, permitindo-nos discernir e reagir de maneira adaptativa a ameaças reais ou percebidas no ambiente. Portanto, o sistema de defesa a ameaças do nosso cérebro, que é parte significativa da resposta de ansiedade, cumpre um papel fundamental de nos manter seguros. Definitivamente, não é uma boa ideia desligar esse sistema, como você verá em seguida.

A paciente que não sentia ansiedade

O estudo de caso da paciente S.M. ilustra as disfunções que podem surgir quando há uma lesão na amígdala bilateral. S.M., uma paciente que teve essa região cerebral destruída devido a uma condição genética rara, demonstrou uma incapacidade notável de sentir medo em situações normalmente temidas, exemplificando o papel fundamental da amígdala na mediação de respostas emocionais adequadas ao perigo.

S.M. apresentou uma notável falta de respostas de medo e ansiedade em situações que normalmente evocariam tais emoções, como segurar cobras ou olhar imagens ameaçadoras.

Além disso, ela foi descrita como uma pessoa muito extrovertida, amigável, e com uma grande facilidade de confiar nos outros. Ela tinha prejuízos para reconhecer expressões faciais de medo e dificuldade de julgar se as pessoas são confiáveis ou não baseado em suas expressões faciais. Além disso, ela parecia não ter uma noção de espaço pessoal adequada em suas interações. De certa forma, é como se as respostas corporais associadas ao sentimento de medo estivessem ausentes, interferindo significativamente no seu funcionamento. Através do estudo de S.M. e de outros casos semelhantes, os pesquisadores puderam identificar a amígdala como uma peça central na rede neural que sustenta a resposta ao medo, ressaltando sua função adaptativa na evolução e no funcionamento humano.

Principais Transtornos de Ansiedade e Suas Características

 Apesar de adaptativo, o nosso sistema de resposta a ameaças pode ser um problema quando é constantemente ativado em situações seguras. Hoje, existem uma série de transtornos de ansiedade que são amplamente estudados:

Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): Pessoas com TAG experienciam ansiedade crônica e excessiva em relação a várias áreas da vida, como trabalho, família e saúde. Preocupações constantes e dificuldade em controlar esses pensamentos são características marcantes desse transtorno.

Transtorno do Pânico: Caracterizado por ataques súbitos e intensos de medo, acompanhados por sintomas físicos como palpitações, tremores e sudorese. A pessoa pode começar a evitar lugares ou situações onde os ataques ocorreram anteriormente.

Transtorno de Ansiedade Social (TAS): Também conhecido como fobia social, esse transtorno envolve um medo avassalador de ser julgado ou avaliado negativamente pelos outros. Isso pode levar à evitação de interações sociais e ao isolamento.

Fobia Específica:  A fobia específica é um transtorno de ansiedade caracterizado por um medo intenso e irracional de um objeto, animal, situação ou atividade específica. As pessoas com esse transtorno experimentam ansiedade extrema quando confrontadas com o objeto ou situação temida, muitas vezes evitando-as a todo custo.

Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): Caracterizado por pensamentos intrusivos e perturbadores (obsessões) que levam a comportamentos repetitivos e ritualísticos (compulsões) como forma de aliviar a ansiedade.

Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT): Desencadeado por experiências traumáticas intensas, como acidentes, assaltos, abuso ou situações de combate. Indivíduos com TEPT podem reviver o evento traumático através de flashbacks, pesadelos ou pensamentos intrusivos, experimentando grande angústia emocional. Eles podem evitar estímulos relacionados ao trauma e apresentar mudanças significativas no humor, cognição e reatividade.

Procurando Ajuda Profissional e Tratamento

A boa notícia é que os transtornos de ansiedade são tratáveis. A psicoterapia é uma abordagem amplamente utilizada e com um corpo de evidências robusto quanto aos seus resultados para esses transtornos. Além disso, em alguns casos, a medicação pode ser uma opção útil, especialmente quando a ansiedade é muito debilitante.

Autocuidado e Estratégias de Gerenciamento

Além do tratamento profissional, existem muitas estratégias que você pode adotar para gerenciar a ansiedade no seu dia a dia. Praticar exercícios físicos, técnicas de respiração profunda, meditação , manter uma alimentação equilibrada e buscar suporte social são formas de fortalecer sua resiliência emocional.

Essas estratégias são muito importantes, mas podem não ser suficientes quando estamos falando de um transtorno de ansiedade. Nesse caso é fundamental buscar ajuda. Entender como a ansiedade funciona em você com a ajuda de um profissional pode ser o primeiro passo em direção a uma vida mais equilibrada e plena. Lembre-se de que você não está sozinho nessa jornada e que há profissionais qualificados prontos para oferecer o apoio necessário para superar esses desafios.

SUGESTÕES DE LEITURA:

“Livre de Ansiedade”, de Robert Leahy. Esse livro foi escrito para leigos e explica sobre a ansiedade e seus transtornos de uma maneira bastante clara e acessível.

“O Cérebro Emocional”, de Joseph Ledoux. Esse é um livro antigo porém muito importante historicamente ao trazer a emoção de volta para o centro do debate sobre ansiedade na neurociência.

“Anxious”, de Joseph Ledoux. Esse livro só está disponível em língua inglesa e é bastante complexo e técnico. Indicado para estudantes de psicologia ou neurociência interessados em um entendimento mais amplo da ansiedade.

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